sexta-feira, julho 31, 2009

Dúvidas do Universo

A velocidade a que o tempo corre... lêem-se mil coisas, soltam-se mais mil palavras, correm os dias do calendário...
Relêm-se palavras, saltam-se outras quantas e correm mais dias do caléndário!
Passou o tempo, não passaram as palavras ditas no silêncio de cada uma das linhas...
... é tempo de recordar e rever as dúvidas "do universo" interior!

Deixa a saudade...
Procura por mim
Quando for já logo à noite na praia
Com o sol a derreter sem fim
Procura por mim
Com o vento por saia
E em lugar do suor o sargaço.
Eu estarei quieta e assim sozinha
Cheia das dúvidas do Universo
À tua espera
A desenhar o caminho
Para te escrever em verso
No meu regaço.
Um abraço.
(adaptada, letra: João Fezas Vital)

segunda-feira, julho 20, 2009

I

Clara era timida. Mas gostava muito de dar a conhecer a sua timidez a quem viesse com jeitinho. Vivia para as euforias silenciosas e estava habituada a perder.
O seu nome dizia tudo sobre ela. Clara!
Fazia por partilhar preferências. As suas palavras preferidas estavam contidas numa poesia:

"Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio.
Dissemos. Fizemos.E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,

idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cormais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,perdi o mundo."

Ingeborg Bachmann

II

Ray era observador, gostava muito de observar...

"Um dia ele levantou-se e gravou numa fita tudo o que as pessoas diziam na rua.
Passou o dia às voltas, a entrar e a sair de autocarros e a entrar em todos os grandes estabelecimentos. Depois voltou para casa.
Gravou coisas como:

Nunca, talvez sim, isso também me interessa, tudo o que quiseres e por agora nada, continuo à espera, não acredito que tenhas forças, dou-te amanhã, não há dinheiro, não há dinheiro, não há dinheiro, vai-te embora, vem, vai-te embora, volta, estou sozinho, já não me interessa, ganhámos, tu dizes-me cada coisa, corre, corre, corre, demasiado tarde, demasiado cedo, tivesses dito, outra vez sozinho, se não fosse tão bonito, deus sabe que tentei, ninguém sabe quanto, não me ama, um trabalho novo, sapatos novos, carro novo, quase nem posso mexer as mãos, sou jovem, já não sou tão novo, que esquisito, sozinho, se não chover ou se calhar chove... e no princípio e no fim da gravação:

Amo-te, já não te amo."

Ray Loriga

Nada era Claro!
Sabia que as (nossas) preferências mudam muitas vezes... E que a poesia só tem magia se não for clara.
As suas palavras preferidas estavam contidas na vida!
Aliás, quando observou Clara conheceu-lhe o silêncio eufórico de quem perde (a timidez)...
Sim, Clara estava habituada a perder....

E, mais uma vez, Ray observou que o mundo, é tudo menos Claro!

(ganharam-se um ao outro _ por quanto tempo, não se sabe...)


terça-feira, julho 14, 2009

(Vi)Ver as coisas

O olhar perante a vida tem sempre a forma e a vontade que quisermos adoptar. Ou nos dispomos a olhar em frente e com um sorriso animado sobre as coisas a cada dia ou, simplesmente, nos deixamos vencer pelo cansaço contínuo e acumulado e, qualquer momento (novidade ou rotina) nos vence enquanto o relógio avança e, deixamos de ter o que contar com entusiasmo. Cai-se na banalidade do discurso "foi uma seca!" "queria era ter ficado em casa!" entre outras quantas frases que me arrepiam as entranhas cada vez que as ouço.



Ver as coisas, vivê-las porque queremos que sejam vividase aproveitadas são as prioridades de um desafio enorme. O cansaço existe e nem sempre pode ser contrariado o sono mas, porque não dispensar algumas horas de descanso para dedicar a algo mais que possa tornar o dia e o bem-estar diferente?

Fica sempre a decisão entre aquilo que faz bem e aquilo que apetece realmente fazer (e acaba sempre por fazer bem de alguma maneira).



(Vi)Ver é querer procurar a novidade no que nos surge como proposta e que nos desafia a melhorar e conhecer mais e mais daquilo que a vida nos pode oferecer,por intermédio de alguém ou por pura vontade até à sua concretização.



Toca a viVer!

quarta-feira, julho 08, 2009


O sério institui-se nos nossos dias como sinónimo de honesto e isso constitui um problema para o humor ( que não é de todo antónimo de seriedade).
Diz-se, na gíria comum, que não se brinca com coisas sérias mas, na verdade, o humor relativiza os assuntos sérios.
Aliás, às vezes, é a deformação das coisas ( e se virmos o humor pode ser isso mesmo) que nos faz vê-las com mais clareza (senão vejamos o exemplo das caricaturas).

No outro dia ouvi alguém dizer, a propósito da designação de humor inteligente, que essa designação parece soar a "merda saborosa" porque pressupõe que o humor não presta e eleva-se com a adjectivação.
Na literatura faz-se o contrário, chama-se literatura light...


Díficil esta coisa dos limiares da adjectivação..
No fundo, sempre a respirar os nossos próprios preconceitos..