segunda-feira, julho 20, 2009

I

Clara era timida. Mas gostava muito de dar a conhecer a sua timidez a quem viesse com jeitinho. Vivia para as euforias silenciosas e estava habituada a perder.
O seu nome dizia tudo sobre ela. Clara!
Fazia por partilhar preferências. As suas palavras preferidas estavam contidas numa poesia:

"Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio.
Dissemos. Fizemos.E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,

idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,
(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cormais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,perdi o mundo."

Ingeborg Bachmann

1 comentário:

An@ disse...

Clara...aquele nome e tal,lolol!

Tu e o teu cuidado com as palavras de sempre:) * beijinhos, gémeas