terça-feira, junho 08, 2010

Tu dás a receita eu quebro o jejum... (?)



Não leias. Olha as figuras brancas desenhadas pelos intervalos separando as palavras de várias linhas dos livros e inspira-te nelas.

Dá aos outros a tua mão a guardar.

Não te deites sobre as muralhas.

Retoma a armadura que abandonaste na idade da razão.

Põe a ordem no seu lugar, desarruma as pedras da estrada.

Se sangras e és homem, apaga a última palavra na ardósia.

Forma os teus olhos fechando-os.

Dá aos sonhos que esqueceste o valor daquilo que não conheces.

Conheci três lampistas, cinco guarda-barreiras mulheres, um guarda-barreira homem: e tu?

Não prepares as palavras que gritas.

Habita as casas abandonadas. Não foram habitadas senão por ti.

Faz um leito de afagos aos teus afagos.

Se eles batem à porta, escreve as tuas últimas vontades com a chave.

Rouba o sentido ao som, existem tambores encobertos mesmo nos vestidos claros.

Canta a grande piedade dos monstros. Evoca todas as mulheres de pé sobre o cavalo de Tróia.

Não bebas água.

Fala consoante a loucura que te seduziu.

Ata as pernas infiéis.

Deixa a madrugada aumentar a ferrugem dos teus sonhos.

Aprende a esperar, de pés para a frente. É assim que brevemente sairás, bem coberto.

Acende as perspectivas da fadiga.

Faz-lhes a surpresa de não confundir o futuro do verbo ter com o passado do verbo ser.

A quem peça para ver o interior da tua mão, mostra os planetas não descobertos do céu.

Para descobrir a nudez daquela que amas, olha as suas mãos. O seu rosto baixou.

Dá-me o prazer de entrar e sair nas pontas dos pés.

Ponto e vírgula: vês, mesmo na pontuação, como eles são surpreendentes.

Deita-te, levanta-te e agora deita-te.

Regula a tua marcha pela das tempestades.

Nunca mates uma ave da noite.

Olha a flor da campainha: ela não permite ouvir.

Falha a finalidade aparente, quando tiveres que atravessar o teu coração com a flecha.

Opera milagres para os negares.

Tem cuidado com os carroceiros do bom gosto.

Desenha na poeira os jogos desinteressados do teu tédio.

Não escolhas o tempo de recomeçar.

Escreve o imperecível na areia.

Não guardes em ti aquilo que não fira o bom senso.

Imagina que esta mulher está contida em três palavras e que esta colina é um abismo.

Lacra as verdadeiras cartas de amor que escreves com uma hóstia profanada.

Queres ter ao mesmo tempo o mais pequeno e o mais inquietante livro do mundo? Pede para relerem os selos das tuas cartas de amor e chora; não obstante tudo, tens razão para isso.

Nunca esperes por ti.

Não anules os raios vermelhos do Sol.

Segues pela terceira rua à direita, depois pela primeira à esquerda, chegas a uma praça, voltas junto do café que conheces, segues a primeira rua à esquerda, depois a terceira rua à direita, lanças a tua estátua por terra e ficas.

Sem saber o que irás fazer com ele, apanha o leque que esta mulher deixou cair.

Bate à porta, grita: Entre, e não entres.

Nada tens para fazer antes de morrer.


André Breton e Paul Éluard

3 comentários:

An@ disse...

:)

An@ disse...

Título mesmo ... lindo!!! :)

Ana Filipa disse...

;) Gostei